Na tradição portuguesa da tauromaquia
O costume vai passando do que se fazia
Nem tudo está no regulamento para se ler
Mas tem que se perceber para entender
Os acordes da Maria da Fonte a tocar
Demonstram o poder do povo a mandar
Nas cortesias são os forcados primeiro
Os cavaleiros têm o seu lugar cimeiro
Em trote cadenciado numa só frente
Fazem os quartos alternadamente
E antes da porta dos curros se abrir
Um peão com o ferro na mão vai surgir
Num gesto simbólico de grande significado
Só nas praças de Portugal ainda usado
Desde a presidência atravessa a arena
Para o cavaleiro em atitude serena
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
Há muitos anos num oito de Setembro
Numa bela tourada que me lembro
Na praça de Vila Viçosa e muito calor
Toureiros valentes e pegas com valor
Toiros de Castro cheios de fama
Ganadaria antiga que não engana
O Grupo de Évora esteve em praça
E dos forcados amadores a raça
Recordo o cavaleiro Pedro Louceiro
Lidou de maravilha e foi chamado
Na volta à arena com o forcado
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
No toureio sério, de verdade e profundo
Ana Batista é a cavaleira melhor do mundo
Ao longo dos anos, valor e arte nas arenas
Das grandes dificuldades fez pequenas
Sabendo estar em praça e tudo perfeito
Toureio sereno, ousado, de grande efeito
De todas a primeira, é bom não esquecer
Mostrou em Vila Franca como se pôde ver
Naquela praça se apresentou sem vacilar
Uma portuguesa para toiros de Miura lidar
Nunca nenhuma antes fez assim tanto
Desvendando um toureio que foi espanto
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
O cite na pega deve estar envolvido
Num silêncio absoluto e percebido
Forcados na arena e respeito do público
O silêncio dos silêncios em momento único
Quem na praça se destaca a troco de nada
Numa força enorme, forte e transformada
Em pega de caras valorosa e verdadeira
De alma, coração e força derradeira
Quem recebe o toiro nos braços, no peito
Alguém do grupo que para isso foi eleito
Alguém que trocou o medo pela coragem
E chama o toiro dando-lhe vantagem
Para isso o silêncio deve ser absoluto
A fama não deve nem pode ser de luto
Se de largo o toiro com força carregar
O forcado sereno tem que saber estar
Silêncio total e quando isso acontece
Do silêncio aos aplausos o grupo merece
Pega exaltada na coragem e virilidade
De quem arriscou a vida de verdade
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
Dou comigo a pensar que isto de ir aos toiros
Pode ser entretimento de negros, brancos e loiros
De muita gente diferente, de muitos locais e raças
De variegadas pessoas que entram nas praças
Um ou outro distraído que não sabe porque terá ido
Daquele que foi convidado, que vai para qualquer lado
Do que se senta ao sol e come uma queijada de Sintra
Do que fuma charuto, na barreira para não ser pelintra
Mas…
Estar no pátio das quadrilhas já não é bem assim
Quando se abre a porta da verdade e toca o clarim
Quando se reparte a sorte e na arena se avança
Em redor para a multidão o nosso olhar relança
Quando a boca está seca e se faz o sinal da cruz
Quando o negro toiro de rompante sai e vê luz
Depois de muito correr e recorrer atrás do cavalo
Ajeitar o barrete, marcar o terreno e citá-lo
A corpo limpo, na verdade da arte da pega
É outra coisa, sem explicação de tanta entrega
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
No começo deste século uns zelosos animalistas
Pseudo-folclóricos, anti-taurinos e quase turistas
Chegaram a Barrancos, mal encarados em excursões
Resolveram ir ao Alentejo fazer umas reclamações
De Lisboa e da outra banda, da Baixa da Banheira
Dos Estoris, de Chelas, da Buraca e da Ameixoeira
Vestidos a rigor, de luto carregado pelos animais
Porque não querem a morte dos toiros, esses tais
Sempre protegidos pelos guardas republicanos
Receosos e à devida distância dos alentejanos
Há meses queriam a proibição dos toiros de morte
Gemiam, esbracejavam, gritavam mas sem sorte
Para as televisões saltavam e faziam vários sinais
Em bicos dos pés noticiavam para todos os jornais
Reboliço de gentes diferentes na “Fêra de Barrancos”
Admirados com as discussões que faziam em Lisboa
Porque uns de lá diziam que a festa não era boa
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Depois o decreto estragou o negócio e o movimento
Mandou matar os toiros mas em regime de excepção
Venda do vinho e do presunto passou mau momento
Saíram os zangados e os curiosos, parou a confusão
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
Em Azpeitia Santo Inácio lá nasceu e viu luz
E há um lindo convento das Servas de Maria
Devotas de Nossa Senhora e da Santa Cruz
Bem próximo da praça de toiros quem diria
As monjas, das janelas, podem ver tourear
Porque do convento à praça um só olhar
Para se ver toda arena que não é pequena
As monjas nas janelas, serenas mas ansiosas
Olham e revêem toureiros e lides preciosas
Recolhem-se novamente e rezam a Jesus
Os toureiros perfilam-se, fazem o sinal da cruz
Começa a corrida, as monjas rezam nessa hora
Vai sair o toiro, começa a faena sem demora
De relance, fecham as janelas do convento
Devotas as Servas, oram mais um momento
Depois do culto, voltam às janelas de permeio
Apreciam lances e os passes de bom toureio
Nesta terra muito aficionada mas bem cristã
Do Santo Inácio de Loyola e gente muito sã
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
Passam cavalos à mão
Estalam foguetes do ar
Chegam campinos e forcados
Neste Alentejo de Verão
É festa portuguesa
Na velha praça castiça
Nas paredes a caliça
Na arena o coração
Cavaleiros e forcados
Neste Alentejo de verão
Saem toiros p’ra cavalo
Assim é da tradição
Toca p’ra pega saltam forcados
Agita-se a multidão
Forcados d’Évora a raça
Palmas, flores na praça
Na arena o coração
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Maio de 2003
Maria da Fonte querem retirar-te das touradas
Tu que resististe, que conseguiste ser a voz do povo
Em tempos distantes, tempos de outras revoluções
Tempos antigos de distúrbios e grandes convulsões
Ficou a tua música, a voz do poder do povo que chegou
Às touradas de Portugal e a tua presença sempre marcou
Desde a Rainha, dos Reis e Príncipes e Duques de Bragança
A tua música não teve parança. E tocam os acordes de luta
Para o público escutar, a alma popular do povo que labuta
Com os teus acordes, há sempre um manifesto da sua presença
Para todos saberem que vai haver protestos da tua ausência.
Contigo o povo levanta-se, nas praças és um caso singular
“Dêmos glória ao teu valor” e mesmo que alguns queiram
E das touradas te quiserem retirar…teremos que te repor
Toca novamente a rebate! És única, contigo não temos temor
Maria da Fonte agora e sempre o teu Hino tem que tocar
Alerta Maria da Fonte! O teu Hino tem muito valor.
Não és tu que sais. És a nossa música. Nos toiros tu vais ficar!
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022
Em tempos não muito distantes as televisões
Davam bons programas nas suas transmissões
Todos nos recordamos de serões bem passados
Com espectáculos taurinos bem televisionados
Entretanto apareceu um governo que se repetiu
Não gosta de toiros, nem de touradas e proíbiu
Isto de “estar ao lado do povo” não é só dizer
É preciso estudar, saber e principalmente fazer
Não ser contra os seus costumes e tradições
Não andar à boleia de ideias aos encontrões
Não inventar. Observar e construir soluções
Não se governa a passear, nem a assobiar
Para o lado e com medo de desagradar
Aos que querem o “politicamente correcto”
Gente que não é de cá nem tem projecto
Para governar é preciso saber estar!
Manuel Peralta Godinho e Cunha
Setembro de 2022